Farinha do mesmo pote
A teologia da prosperidade promete especialmente o sucesso financeiro (e em todos os aspectos da vida) aos que são seguidores de Jesus Cristo. Essa espécie de "religião capitalista" faz com que muitos líderes religiosos arrecadem significativas somas de dinheiro sem se preocupar em seguir a teologia bíblica do dízimo. Um desses pregadores garante aos seus telespectadores que, se eles forem "fiéis" em "dar o dinheiro a Deus", poderão inclusive escolher as bênçãos que querem receber: um carro importado, uma casa na praia, um bom saldo na conta bancária...
Não é errado ter um carro, uma casa na praia e dinheiro. O problema surge quando tudo isso é colocado "em primeiro lugar" e não "o reino de Deus e sua justiça" (Mateus 6:33). Devemos viver bem neste mundo, mas nossos pensamentos devem estar voltados para "as coisas do alto" (Colossenses 3:1, 2), as celestiais.
Por causa do ensino da "prosperidade" - como é apresentado pelos pastores que seguem essa linha teológica - muitas pessoas desinformadas (ou maliciosas) e a mídia acabam julgando mal todas as igrejas protestantes sérias. Já ouvi dizerem: "Todos os religiosos são farinha do mesmo saco." Já que os teólogos da prosperidade distorcem o conceito do dízimo, pensam os menos esclarecidos que "os pastores são todos iguais".
Isso não deveria ser assim, ainda mais nesta era pós-moderna em que temos acesso com facilidade à boa (e má, infelizmente) informação. Antes que um agnóstico, ateu ou outra pessoa que não seja simpatizante da religião julgue o sistema de dízimos como "exploração do povo", deveria conhecer o posicionamento bíblico e protestante sobre o assunto - que nada tem a ver com o que é ensinado pela igreja do bispo Macedo.
Uma compreensão errada de Malaquias 3:10
A ideia de que o salvo em Cristo deve obrigatoriamente "ter bastante dinheiro" é baseada no entendimento equivocado do verso a seguir: "Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na Minha casa; e provai-Me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se Eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida." O princípio ensinado pela teologia da prosperidade é o seguinte: quando o cristão dizima ou dá ofertas, Deus fica - diríamos assim - na obrigação de abençoar o dizimista e ofertante.
Vamos entender corretamente o verso citado.
O conteúdo do livro de Malaquias nos mostra que maldições vinham sobre o povo de Israel não apenas por eles roubarem a Deus nos dízimos e nas ofertas, mas também porque eles se desviaram de outros mandamentos de Deus. Isso é claro em Malaquias 3:7: "Desde os dias de vossos pais, vos desviastes dos Meus estatutos e não os guardastes; tornai-vos para Mim, e Eu Me tornarei para vós outros, diz o Senhor dos Exércitos; mas vós dizeis: em que havemos de tornar?" Confira também Malaquias 1:6 até 3:5.
Sendo que o problema espiritual do povo era bem maior (envolvia outras áreas da vida e não só a financeira), é lógico que apenas restituir os dízimos e as ofertas não resolveria as coisas. Era preciso haver uma reforma total na vida e na conduta de todos os que diziam seguir a Deus. Deveriam abandonar o pecado e ser fiéis ao Senhor na observância de todos os demais mandamentos (inclusive do quarto, que ordena a santificação do Sábado - Êxodo 20:8-11).
Esse contexto de Malaquias 3:10 não é ensinado pelos teólogos da prosperidade. Eles não mostram às pessoas que, além de dizimar e ofertar, é preciso haver uma reforma na vida do crente.
A conversão verdadeira, que faz com que tenhamos prazer em seguir a Cristo independentemente do que temos ou deixamos de ter, não ocorre nos cultos de prosperidade (na grande maioria das vezes, pois há pessoas sinceras em tais reuniões que buscam a Jesus de coração). A mente das pessoas é direcionada para o materialismo e não para o maior de todos os milagres: um coração transformado pela graça (João 3).
Outro aspecto de Malaquias 3:10 que precisa ser destacado é que o texto não está ensinando que Deus é obrigado a nos abençoar ou que nosso ato de dizimar e ofertar irá forçá-Lo a tornar próspero alguém que desobedece aos demais mandamentos (lembre-se do contexto de Malaquias 3:10: o ato de não dizimar e ofertar era um dos problemas). Deus é quem sabe o momento certo de dar uma bênção aos Seus filhos; por isso, não se pode pensar que Ele nos dará tudo o que pedimos no momento que queremos.
Um pai não vai dar as chaves do carro para o filhinho de cinco anos porque sabe que a criança ainda não está preparada para desfrutar da alegria de dirigir. Ele tem consciência de que o filho precisa estar preparado para receber esse "presente". O mesmo ocorre em relação a Deus. O Senhor vê o futuro e sabe até mesmo se você e eu temos estrutura emocional e espiritual suficientes para ser abençoados. Se Deus vir que hoje o dinheiro pode nos desviar dEle, com certeza escolherá outro momento para melhorar nossa renda.
[Ao lermos em Mateus 7:7-11 as dicas de Jesus para orarmos, não devemos nos esquecer de seguir o exemplo do Salvador, no fim de cada prece: "Meu Pai, se possível, passe de Mim este cálice! Todavia, não seja como Eu quero, e sim como Tu queres." (cf. Mateus 26:39) Não temos o direito de "determinar" o que Deus fará.]
Há quem possa argumentar: "Mas Malaquias 3:10 não está ensinando claramente que a as bênçãos são consequência da devolução dos dízimos e das ofertas?"
Realmente, dizimar e ofertar fazem parte de um mesmo mandamento bíblico. Ser dizimista é reconhecer que Deus é dono de tudo o que temos (Salmo 24:1) e que estamos administrando corretamente os bens dEle. As ofertas são demonstrações de nossa gratidão para com Ele por tudo aquilo que fez, faz e fará por nós. Mas o detalhe é que as bênçãos prometidas em Malaquias 3:10 não são apenas materiais. São espirituais também. Quando dizimamos e ofertamos, devemos estar cientes de que Deus irá escolher o tipo de bênção que vamos receber: seja ela financeira, espiritual, amorosa, familiar, profissional...
Reconsiderando o questionamento acima, é importante contextualizar o texto bíblico para saber que antes de o povo de Israel dizimar para ser abençoado, Deus já os havia abençoado ao tirá-los do Egito! Os Israelitas foram libertos da escravidão no Egito para depois demonstrar a fidelidade a Deus por meio do sistema sagrado (dízimos e ofertas) estabelecido também com o propósito de tirar o egoísmo do coração humano. Acompanhe o raciocínio bíblico, de acordo com Malaquias 3:10, e leve em conta a história do povo de Deus no passado. Em seguida, aplique o princípio em sua vida:
Primeiro: Deus liberta o crente do pecado.
Segundo: O crente dizima em gratidão e reconhecimento de que Deus é o Criador e dono de tudo (Salmo 24:1).
Terceiro: Deus abençoa materialmente ou espiritualmente ainda mais. O Criador pode, inclusive, abençoar em todas as áreas da vida, se Ele vir que a pessoa está preparada para tal.
Agora, perceba que a sequência "lógica" da teologia da prosperidade é bem diferente. Para eles:
- Primeiro eu dizimo.
- Depois, sou abençoado.
Devemos aceitar a primeira sequência por ela ser apoiada pela Bíblia.
A abordagem dos teólogos da prosperidade é uma afronta à doutrina bíblica de que as bênçãos de Deus - inclusive a Salvação (a bênção mais importante) - vêm pela graça e não pelas obras (Efésios 2:8, 9; Gálatas 2:21). Não há dúvidas de que a forma como o dízimo é apresentado pelo bispo Edir Macedo e pelo missionário R.R. Soares se constituem em salvação pelas obras (e há quem ainda teime em dizer que os adventistas é que são legalistas...)
Alguns dos muitos textos bíblicos que desaprovam a teologia da prosperidade
O primeiro é Romanos 1:16: "Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego." A palavra "evangelho" significa "boas notícias". A Bíblia nos dá a boa notícia de que podemos ser salvos pela fé na morte e ressurreição de Cristo. De acordo com Romanos 1:16, o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que nEle crê. Portanto, o evangelho não é um produto comercial que pode vender a salvação a certos custos financeiros. Repito: a salvação é de graça (Romanos 11:5, 6).
O segundo texto bíblico é Mateus 8:20: "Mas Jesus lhe respondeu: as raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça."
Em certa ocasião, Jesus disse a uma pessoa desejosa de segui-Lo que Ele não tinha onde reclinar a cabeça. Eu me pergunto: o que os pregadores da prosperidade iriam dizer a Jesus hoje se Ele estivesse em nosso mundo sem um carro do ano ou um apartamento com vista para o mar? Chegariam ao cúmulo de afirmar que Cristo não tinha a bênção de Deus ou até mesmo negar ser Ele o Messias, como fizeram os fariseus que acreditavam que o Salvador nasceria "em berço de ouro" e não numa manjedoura? São perguntas para refletirmos...
A teologia da prosperidade é uma continuação e uma roupagem moderna do farisaísmo. Os fariseus (líderes religiosos judeus) acreditavam que os favorecidos pelo Eterno sempre tinham posses materiais e saúde. Já os amaldiçoados por Deus eram pobres e doentes (leia João 9:1, 2 e perceba como tal conceito fazia parte da mentalidade judaica daqueles dias). Para tirar tal crença absurda da mente das pessoas da época, Jesus contou a parábola do rico e Lázaro registrada em Lucas 16:19-31 (outra lição ensinada - a principal - está no fim da história fictícia). No relato parabólico de Lucas 16, Cristo inverteu os papéis: colocou o rico num suposto lugar de tormento e o mendigo num suposto Céu. Essa parábola precisa ser lida, relida e compreendida corretamente pelos teólogos da prosperidade com urgência! Deus quer salvá-los.
O terceiro texto bíblico que vai contra o ensino de que o cristão deve buscar primeiramente ser próspero em tudo é Mateus 6:33: "Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas."
Jesus não diz para buscarmos em primeiro lugar o dinheiro. Ele ensina que nossa principal busca deve ser o Céu. A salvação eterna precisa estar em primeiro lugar na nossa lista de prioridades. Se fizermos isso, as demais coisas de que precisamos nos serão acrescentadas.
O quarto texto bíblico que entra em choque com a "teologia capitalista" (outro apelido que tive de criar) é Mateus 6:19-21: "Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração."
Jesus diz que não devemos acumular tesouros neste mundo, pois, eles não duram para sempre. O Salvador quer que acumulemos riquezas no Céu, ou seja: quer nos ensinar que, mesmo Deus nos abençoando e tornando-nos prósperos, nosso maior investimento deve ser o preparo para a vida eterna. Do contrário, iremos nos perder eternamente.
Sabe por que Jesus quer que você e eu priorizemos a Salvação, a fim de nos tornarmos livres da morte eterna (Romanos 6:23)? A resposta está no verso 21 de Mateus 6: "porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração." Se nossas maiores esperanças estão nesta vida, seremos os mais infelizes entre os seres humanos, como diz o apóstolo, ao falar sobre a doutrina da ressurreição (ver 1 Coríntios 15:19). O vazio existencial nunca será preenchido, porque há um lugar em nosso coração que só Deus pode preencher.
Qual o problema em ser rico?
Nenhum. Vemos em 1ª Timóteo 6:17 que havia pessoas ricas e prósperas na igreja cristã. Só que elas repartiam o que tinham com os necessitados (leia Atos 2:42-47). O problema não está em ser rico e muito menos em querer crescer na vida. A tragédia espiritual começa quando colocamos o coração nas riquezas e só as temos para nós. Isso é o que diz Paulo em 1ª Timóteo 6:17-19:
"Exorta aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento; que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir; que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida."
O que quero lhe mostrar é a distorção do caráter de Deus feita por aqueles que pregam o amor a este mundo, pois o Criador é apresentado por eles como um agiota, que empresta dinheiro para ganhar com juros. Mostram um Deus que tem mais interesse em possuir os recursos financeiros que Ele deu aos filhos dEle do que salvá-los do pecado. O Senhor revelado nas Escrituras não faz barganhas do tipo: "Filho, Eu o abençoo se me der todo o seu dinheiro."
Além de desvirtuar o caráter de Deus, os pregadores da prosperidade desviam a atenção das pessoas do grande conflito entre o bem e o mal (Apocalipse 12:7-12). Os cristãos dedicam mais tempo em adquirir bens do que em se preparar para enfrentar os ataques do inimigo de Deus, Satanás (1 Pedro 5:8; Efésios 6:10-18).
Querido(a) amigo(a), onde está seu coração? Em quem deposita suas esperanças: em Deus ou no dinheiro - num papel?
Que ao mesmo tempo em que você e eu trabalhamos e estudamos para ter uma vida digna, não nos esqueçamos de que nossos olhos devem estar voltados para Jesus e atentos para o que escreveu Paulo em 1ª Timóteo 6:10:
"Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores."
Meu desejo final é que os teólogos da prosperidade tremam - como manifestação de arrependimento e respeito a Deus - ao ler as palavras inspiradas de 2 Coríntios 2:17:
"Ao contrário de muitos, não negociamos a palavra de Deus visando lucro; antes, em Cristo falamos diante de Deus com sinceridade, como homens enviados por Deus".
por Leandro Quadros
Fonte: Outra Leitura
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