Se não forem tomadas medidas drásticas, a zona euro poderá desintegrar-se muito em breve.
Em quase todos os debates em que participei sobre a zona euro há sempre alguém que diz que os políticos só decidem agir quando as coisas ficam realmente complicadas: ‘eurobonds', monetização da dívida, alívio quantitativo e por aí fora. Não estou assim tão certo. O argumento ignora o problema de uma acção colectiva extrema.
A semana passada, a crise atingiu um novo patamar qualitativo. Com o espectacular fiasco do leilão de dívida alemã e a alarmante subida dos juros a curto prazo em Espanha e Itália, o mercado de dívida pública da zona euro paralisou. O sector bancário também está falido. Partes importantes da economia da zona euro não têm acesso ao crédito, o que significa que está sujeita à fuga dos investidores globais e a uma corrida aos bancos por parte dos seus cidadãos.
Esta erosão massiva da confiança também destruiu o principal alicerce da estratégia de resgate. O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) deve o seu poder de fogo às garantias dos seus accionistas. À medida que a crise alastra a França, Bélgica, Holanda e Áustria, o FEEF é igualmente vítima do contágio. Se não forem tomadas medidas drásticas, a zona euro poderá desintegrar-se muito em breve.
Tecnicamente falando, é possível resolver o problema, muito embora as opções sejam cada vez mais limitadas. A zona euro tem de tomar três decisões o quanto antes, uma vez que se acabou o tempo das respostas evasivas.
Primeiro, o Banco Central Europeu (BCE) tem de aceitar prestar algum tipo de apoio, seja através de uma garantia ilimitada de um spread máximo para os títulos de dívida ou de um apoio ao FEEF, juntamente com medidas radicais para aumentar a liquidez a curto prazo no sector bancário, pondo termo à ameaça de falência imediata.
Segundo, é necessário estabelecer um calendário claro para as ‘eurobonds'. A Comissão Europeia apelida-as de "obrigações de estabilidade" (stability bonds), o que a meu ver é um sério candidato a eufemismo do ano. Há várias propostas sobre a mesa e pouco importa o nome que se lhes dá. Importa, sim, que seja uma responsabilidade assumida conjuntamente e com o máximo de credibilidade possível. É preciso pôr fim à insensatez das garantias transnacionais, porque em vez de contribuírem para resolver a crise são o seu principal meio de propagação.
Terceiro, é preciso avançar para uma união orçamental. Isto implicaria a perda parcial da soberania nacional e a criação de um enquadramento institucional credível para lidar com a política orçamental, assim como para gerir um leque de questões relevantes ao nível da política económica. A zona euro precisa de um Ministério das Finanças com ‘staff' a preceito e não de uma coordenação ‘ad hoc' do Conselho Europeu entre a sobremesa e o café.
Consta que estão a decorrer conversações exploratórias sobre um pacote de compromissos que integra as três questões acima referidas. Se houver acordo na cimeira europeia de 9 de Dezembro, a zona euro poderá sobreviver. Caso contrário, espera-a um fim violento. O risco de uma longa recessão, senão depressão, é real, mesmo na eventualidade de uma desintegração. Por isso, e apesar de o Conselho Europeu poder chegar a um acordo sobre esta agenda particularmente ambiciosa, os seus líderes teriam de continuar a superar-se a si próprios nos próximos meses e anos.
Quais são as probabilidades de se alcançar um acordo desta natureza? A cada semana que passa, os custos políticos e financeiros de resolução da crise tornam-se cada vez mais elevados. Na semana passada, Angela Merkel manteve-se firme no seu discurso e rejeitou as ‘eurobonds' pela enésima vez. Quando a Comissão Europeia apresentou as suas propostas, a chanceler alemã ficou furiosa porque a sua ideia era debater separadamente a crise e a futura arquitectura da zona euro. Só há uma palavra para qualificar os conselhos económicos que recebeu ao longo da crise: terríveis.
A sua oposição pública às ‘eurobonds' tornou-se um verdadeiro obstáculo a qualquer acordo. Não estou a ver como Merkel se vai desenvencilhar dos constrangimentos que infligiu a si mesma. Se tivesse sido mais circunspecta, poderia levar à cimeira a proposta dos Conselheiros Económicos do Governo alemão, que elaboraram um plano inteligente, ainda que limitado, no qual propõem obrigações de "amortização da dívida", que me parece ser outro excelente candidato a eufemismo do ano. A ideia é criar ‘eurobonds' estritamente temporárias, que os Estados membros amortizariam durante um período de tempo pré-definido. Uma proposta que, apesar de tudo, é coerente com a interpretação mais restritiva da lei alemã.
A hostilidade de Merkel às ‘eurobonds' tem eco na opinião pública. A imprensa reagiu com indignação às propostas da Comissão. Pessoalmente, considero que as propostas e o ‘timing' da sua apresentação denotam perspicácia, pois conseguiu mudar a natureza do debate. Merkel poderá ter a sua união orçamental, mas, terá de aceitar as ‘eurobonds' em troca. Se houver acordo sobre estes dois aspectos, o problema ficará resolvido. Devo dizer que é a primeira proposta inteligente de um organismo oficial desde o início da crise.
Tenho mais dificuldade em acreditar que o Conselho Europeu consiga chegar a um acordo substantivo como este, dado o seu comportamento no passado. É de esperar que chegue a uma espécie de acordo e o venda como um pacote abrangente de medidas. É o que sempre faz. O problema é que o período de vida destes pacotes falsos tem sido cada vez mais curto. Lembro a propósito que, no final da última cimeira, o entusiasmo dos mercados financeiros em torno da ideia ridícula de um FEEF alavancado esvaneceu-se em menos de 48 horas.
O desastroso leilão de dívida pública italiana, na sexta-feira, diz-nos que o tempo urge: restam dez dias à zona euro, no máximo.
Tradução de Ana Pina
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Wolfgang Münchau, Cronista do Financial Times
Nota: Segundo o texto, "tecnicamente falando, é possível resolver o problema", mas a fragilidade das relações na zona do euro, semelhante à ligação de "ferro com barro", não permitirá uma solução definitiva para a crise estabelecida.